Alphonsus de Guimaraens

Fátima CChaves


É necessário amar

É necessário amar... Quem não ama na vida?

Amar o sol e a lua errante! amar estrelas,

Ou amar alguém que possa em sua alma contê-las,

Cintilantes de luz, numa seara florida!

Amar os astros ou na terra as flores... Vê-las

Desabrochando numa ilusão renascida...

Como um branco jardim, dar-lhes na alma guarida,

E todo, todo o nosso amor para aquecê-las...

Ou amar os poentes de ouro, ou o luar que morre breve,

Ou tudo quanto é som, ou tudo quanto é aroma...

As mortalhas do céu, os sudários de neve!

Amar a aurora, amar os flóreos rosicleres,

E tudo quanto é belo e o sentido nos doma!

Mas, antes disso, amar as crianças e as mulheres...

- Alphonsus de Guimaraens, em "Obra completa". [organização Alphonsus de Guimaraens Filho].

Filhos

O amor, a cada filho, se renova.

Mesmo no inverno, brilha a primavera...

E o coração dos pais, sedento, prova

O néctar suave de quem tudo espera.

Vai-se a lua, e vem outra lua nova...

Ai! os filhos... (e quem os não quisera?)

São frutos que criamos para a cova.

Melhor fora que Deus no-los não dera.

Frutos de beijos e de abraços, frutos

Dos instantes fugazes, voluptuosos,

Rosário interminável de noivados...

Filhos... São flores para velhos lutos.

Por que Jesus nos fez tão venturosos,

Para sermos depois tão desgraçados?

- Alphonsus de Guimaraens, em "Obra completa". [organização Alphonsus de Guimaraens Filho].

Ismália

XXXIII

Quando Ismália enlouqueceu,

Pôs-se na torre a sonhar...

Viu uma lua no céu,

Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,

Banhou-se toda em luar...

Queria subir ao céu,

Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,

Na torre pôs-se a cantar...

Estava perto do céu,

Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu

As asas para voar...

Queria a lua do céu,

Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu

Ruflaram de par em par...

Sua alma subiu ao céu,

Seu corpo desceu ao mar...

- Alphonsus de Guimaraens, (Pastoral aos crentes do amor e da morte. '1923'.), em "Os cem melhores poemas brasileiros do século". [seleção e organização de Ítalo Moriconi].

Ai dos que vivem, se não fora o sono

VIII

Ai dos que vivem, se não fora o sono!

O sol, brilhando em pleno espaço, cai

Em cascatas de luz; desce do trono

E beija a terra inquieta, como um pai.

E surge a primavera. O áureo patrono

Da terra é sempre o mesmo sol. Mas ai

Da primavera, se não fora o outono,

Que vem e vai, e volta, e outra vez vai.

Ao níveo luar que vaga nos outeiros

Sucedem sombras. Sempre a lua tem

A escuridão dos sonhos agoureiros.

Tudo vem, tudo vai, do mundo é a sorte...

Só a vida, que se esvai, não mais nos vem.

Mas ai da vida, se não fora a morte!

- Alphonsus de Guimaraens, em "Obra completa". [organização Alphonsus de Guimaraens Filho].

ÁRIAS E CANÇÕES

III

Ária dos olhos

Mágoas de além

De olhos de quem

Pede esmolas:

Gemidos e ais

Das autunais

Barcarolas:

Cisnes em bando

Sonambulando

Sobre o mar:

Nuvens de incenso

No céu imenso,

Todo luar:

Olhos sutis,

Ah! que me diz

O olhar santo,

Que sobre mim

Volveis assim

Tanto e tanto?

E que esperança

Nessa romança

Cheia de ais,

Olhos nevoentos,

Noites e ventos

Autunais!

- Alphonsus de Guimaraens, (Dona Mística '1899'), em "Obra completa". [organização Alphonsus de Guimaraens Filho].

A passiflora

XII

A Passiflora, flor da Paixão de Jesus,

Conserva em si, piedosa, os divinos Tormentos:

Tem cores roxas, tons magoados e sangrentos

Das Chagas Santas, onde o sangue é como luz.

Quantas mãos a colhê-la, e quantos seios nus

Vêm, suaves, aninhá-la em queixas e lamentos!

Ao tristonho clarão dos poentes sonolentos,

Sangram dentro da flor os emblemas da Cruz...

Nas noites brancas, quando a lua é toda círios,

O seu cálice é como entristecido altar

Onde se adora a dor dos eternos Martírios...

Dizem que então Jesus, como em tempos de outrora,

Entre as pétalas pousa, inundado de luar...

Ah! Senhor, a minha alma é como a passiflora!

- Alphonsus de Guimaraens, em "Obra completa". [organização Alphonsus de Guimaraens Filho].

A Catedral

Entre brumas, ao longe, surge a aurora.

O hialino orvalho aos poucos se evapora,

Agoniza o arrebol.

A catedral ebúrnea do meu sonho

Aparece, na paz do céu risonho,

Toda branca de sol.

E o sino canta em lúgubres responsos:

"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"

O astro glorioso segue a eterna estrada.

Uma áurea seta lhe cintila em cada

Refulgente raio de luz.

A catedral ebúrnea do meu sonho,

Onde os meus olhos tão cansados ponho,

Recebe a bênção de Jesus.

E o sino clama em lúgubres responsos:

"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"

Por entre lírios e lilases desce

A tarde esquiva: amargurada prece

Põe-se a lua a rezar.

A catedral ebúrnea do meu sonho

Aparece, na paz do céu tristonho,

Toda branca de luar.

E o sino chora em lúgubres responsos:

"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"

O céu é todo trevas: o vento uiva.

Do relâmpago a cabeleira ruiva

Vem açoitar o rosto meu.

E a catedral ebúrnea do meu sonho

Afunda-se no caos do céu medonho

Como um astro que já morreu.

E o sino geme em lúgubres responsos:

"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"

- Alphonsus de Guimaraens, em "Obra completa". [organização Alphonsus de Guimaraens Filho].

Poetas exilados

XVIII

A Cruz e Sousa

No Mosteiro, da velha arquitetura, de era

Remota, vão chegando os poetas exilados.

A porta principal é engrinaldada em hera...

Os sinos dobram nos torreões, abandonados.

Uns são bem velhos, e há moços, na primavera

Da idade humana. Alguns choram mortos noivados.

Sem esperança, cada um deles tudo espera...

Outros muitos tem o ar de monges maus, transviados.

E ninguém fala. O sonho é mudo: e sonham, quando

Ei-los todos de pé, estáticos, olhando

A branca aparição de hierático painel.

Chegaste enfim, magoado Eleito! Olham. Vermelhos

Tons de poente num fundo azul... Dobram-se os joelhos:

É Cruz e Sousa aos pés do arcanjo São Gabriel.

- Alphonsus de Guimaraens, em "Obra completa". [organização Alphonsus de Guimaraens Filho].

Alphonsus de Guimaraens, pseudônimo de Afonso Henrique da Costa Guimarães ( 24 de julho de 1870, Ouro Preto - MG – Mariana MG, 15 de julho de 1921). Poeta, cronista e jornalista brasileiro.

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