Ariano Suassuna
Fátima CChaves
“Arte pra mim não é produto de mercado. Podem me chamar de romântico. Arte pra mim é missão, vocação e festa.”
- Ariano Suassuna
"O Mundo é um livro imenso, que Deus desdobra aos olhos do Poeta! Pela criação visível, fala o Divino invisível sua Linguagem simbólica. A Poesia, além de ser vocação, é a segunda das sete Artes e é tão sublime quanto suas irmãs gêmeas, a Música e a Pintura! Vem da Divindade a sua essência musical. Mas, meus Senhores, ninguém queira tomar como Poesia qualquer estrofe, pois há muitas Poesias sem estrofes e muitíssimas estrofes sem Poesia... Ser Poeta, não é somente escrever estrofes! Ser Poeta, é ser um “geníaco”, um “filho assinalado das Musas”, um homem capaz de se alçar à umbela de ouro do Sol, de onde Deus fala ao Poeta! Deus fala através das pedras, sim, das pedras que revestem de concreto o trajo particular da Idéia! Mas a Divindade só fala ao Poeta que sabe alçar seus pensamentos, primando pela grandeza, pela bondade, pela glória do Eterno, pelo respeito, pela moral e pelos bons costumes, na sociedade e na família! Existe o Poeta de loas e folhetos, e existe o Cantador de repente. Existe o Poeta de estro, cavalgação e reinaço, que é capaz de escrever os romances de amor e putaria. Existe o Poeta de sangue, que escreve romances cangaceiros e cavalarianos. Existe o Poeta de ciência, que escreve os romances de exemplo. Existe o Poeta de pacto e estrada, que escreve os romances de espertezas e quengadas. Existe o Poeta de memória, que escreve os romances jornaleiros e passadistas. E finalmente, existe o Poeta de planeta, que escreve os romances de visagens, profecias, e assombrações."
- João Melchíades (personagem), de Ariano Suassuna, em "Romance d'A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta".
"[…] no meu Catolicismo, os bichos que servem de insígnia ao Divino são todos rigorosamente brasileiros e sertanejos. Por exemplo: na minha linguagem nunca entram leões ou águias, bichos estrangeiros, mas sim Onças e Gaviões. Ora além dessa fidelidade brasileira e sertaneja, sempre achei essa história de representar o Espírito Santo por uma pombinha meio inapropriada. Fique logo claro que o Espírito Santo não tem nada com isso: a culpa é de quem inventou! Essa história da “pombinha” não tem nada de Profecia-sertaneja, é idiotice desses Profetas do estrangeiro! É por isso que, no meu catolicismo-sertanejo, o Espírito Santo é um Gavião, o bicho macho e sangrador, e não essa pombinha que sempre me pareceu meio sem
graça. Segundo nossas crenças, Sr. Corregedor, foi a Onça Malhada do Sol Divino que nos fez a mim e ao Mundo, segundo sua própria imagem."
- Ariano Suassuna, em "Romance d'A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta".
Ave Musa incandescente
do deserto do Sertão!
Forje, no Sol do meu Sangue,
o Trono do meu clarão:
cante as Pedras encantadas
e a Catedral Soterrada,
Castelo deste meu Chão!
Nobres Damas e Senhores
ouçam meu Canto espantoso:
a doida Desaventura
de Sinésio, O Alumioso,
o Cetro e sua centelha
na Bandeira aurivermelha
do meu Sonho perigoso!
- Ariano Suassuna, em "Romance d'A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta".
Iluminogravura ‘A Acauhan – A malhada da onça’, Ariano Suassuna
A Acauhan – A malhada da onça
[Com mote de Janice Japiassu]
Aqui morava um Rei quando eu menino:
vestia ouro e Castanho no gibão.
Pedra da sorte o meu Destino
pulsava, junto ao meu, seu Coração.
Para mim, seu Cantar era divino,
quando, ao som da Viola e do bordão,
cantava, com voz rouca, o Desatino,
o sangue, o riso e as mortes do Sertão.
Mas mataram meu Pai. Desde esse dia
eu me vi como um Cego sem meu guia
que se foi para o Sol, transfigurado.
Sua Efígie me queima. Eu sou a Presa,
Ele a Brasa que impele ao fogo, acesa,
Espada de ouro em Pasto ensanguentado.
– Ariano Suassuna, “Dez Sonetos com Mote Alheio”. Recife: edição manuscrita e iluminogravura pelo autor, 1980.
Iluminogravura ‘O mundo do Sertão’, Ariano Suassuna (1980)
O mundo do Sertão
[com tema do nosso armorial]
Diante de mim, as malhas amarelas
do mundo, Onça castanha e destemida.
No campo rubro, a Asma azul da vida
à cruz do Azul, o Mal se desmantela.
Mas a Prata sem sol destas moedas
perturba a Cruz e as Rosas mal perdidas;
e a Marca negra esquerda inesquecida
corta a Prata das folhas e fivelas.
E enquanto o Fogo clama a Pedra rija,
que até o fim, serei desnorteado,
que até no Pardo o cego desespera,
o Cavalo castanho, na cornija,
tenha alçar-se, nas asas, ao Sagrado,
ladrando entre as Esfinges e a Pantera.
– Ariano Suassuna, “Dez Sonetos com Mote Alheio”. Recife: edição manuscrita e iluminogravura pelo autor, 1980.
Ariano Suassuna e sua esposa Zélia, em Recife (PE) - Foto: Bel Pedrosa/Folhapress
Ariano Vilar Suassuna (João Pessoa, 16 de junho de 1927 - Recife, 23 de julho de 2014). Escritor, teatrólogo, poeta, dramaturgo, professor, artista plástico, ensaísta e advogado, autor de obras como O Auto da Compadecida (1955) e Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Vai-e-Volta (1971). Idealizador do Movimento Armamorial (que teve como objetivo criar arte erudita a partir de elementos da cultura popular do Nordeste brasileiro).