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Graça Graúna
Atualizado em
Tessituras
Ser todo coração
enquanto houver poesia:
essa ponte entre mundos apartados
- Graça Graúna. em "Tessituras da terra".
Escritos
...e se me ponho a juntar
escritos de gozos
raízes de abraços
bem sei: não é apenas saudade
ou mesmo lembranças
a dor que me cerca
é algo mais forte
que o tempo da distância
não alivia, nem basta.
- Graça Graúna, em "Tessituras da Terra".
Vagamundo
Carrego cicatrizes
(...e quem não as tem?)
De algumas esqueço,
enquanto outras sangram
porque feitas de punhais-palavras.
A cada (a)talho, vago pelo mundo
para driblar esse mal
chamado coração.
- Graça Graúna, em "Poesia para mudar o mundo".
Memórias das cinzas
anjos caídos sob os viadutos
segredam sonhos
em meio ao alumbramento
de um terça-feira gorda
a legião se mistura
para renascer das cinzas
em qualquer dia de sol
ou quando a chuva vier
- Graça Graúna, em "Poesia para mudar o mundo".
Macunaima
Do fundo da mata virgem
ele ri mui gostosamente alto
e diz: – ai que preguiça!
Coisa de sarapantar
os sons e os sentidos
espalham-se
um
três
trezentos
amarelos
brancos
pretos retintos
pícaros/ícaros
Brasil
brazis
crias de um homem submerso
- Graça Graúna, em "Canto mestizo".
marGARIdas
Nem todas as flores
vivem gloriosamente em flor.
Uma delas sobrevive
catando os nossos restos
juntando os nossos pedaços
do playground à lixeira
marGARIda-amarela
marGARIda-do-campo
marGARIda-sem-terra
marGARIda-rasteira
marGARIda-sem-teto
marGARIda-menor
pela terra mais garrida
de maio a maio arrastando
o seu carrinho de GARI.
Catando os nossos restos
juntando os nossos pedaços
vai e vem uma marGARIda
brotar no seu jardim
- Graça Graúna, em "Tessituras da terra".
Quase-haikai I
1.
Braços para o infinito
o espantalho subverte
a ferocidade do mundo
2.
Entre o sono e a vigília
o canto da cigarra
inunda o sertão
3.
Noctívaga dor-em-dor
pouso na árvore do mundo
clandestina
4.
Porque és pedra
o que dirá a poesia
sem a tua presença?
5.
Dias de sol
distendo as velhas asas
num hai kai latino
- Graça Graúna, 'Hai kais'. em "Canto mestizo", 1ª parte.
Resistência
Ouvi do meu pai que a minha avó benzia
e o meu avô dançava
o bambelô na praia, e batia palmas
com as mãos encovadas
ao coco improvisado,
ritmando as paixões
na alma da gente.
Ouvi do meu pai que o meu avô cantava
as noites de lua, e contava histórias
de alegrar a gente e as três Marias.
Meu avô contava:
a nossa África será sempre uma menina.
Meu pai dizia:
ô lapa de caboclo é esse Brasil, menino!
E coro entoava:
_ dançamos a dor
tecemos o encanto
de índios e negros
da nossa gente
- Graça Graúna.
Reverso do cárcere
Na alta madrugada
o coro entoava
estamos todos aqui
no ofício de ser
criador
criatura
traçando, tecendo
das circunstâncias
vertentes.
Assim, torno a ver
no reverso do cárcere
o lado negro e cru
do ofício de escrever
- Graça Graúna. em "Tessituras da terra".
Uns cavaleiros
No deserto das cidades
uns cavaleiros sonham
mas sonham só
seduzidos pela mais valia.
De resto,
lugar nenhum no coração
para encantar Dulcinéias.
Onde o herói contra os moinhos?
- Graça Graúna, em "Canto mestizo".
Geografia do poema
I
O dia deu em chuvoso
na geografia do poema.
Um corpo virou cinzas
um sonho foi desfeito
e mil povos proclamaram:
- Não à violência!
A terra está sentida
de tanto sofrimento.
II
Na geografia do poema voam balas
passam na TV os seres nus
o pátio aglomerado
o chão vermelho
onde a regra do jogo
da velha é sentença
marcada na réstia
do sol quadrado.
III
Pelas ruas
a tristeza dos tempos
a impossibilidade do abraço.
Crianças
nos corredores da morte
nos becos da fome
consomem a miséria
matéria prima da sua sobrevivência.
IV
Nos quarteirões
dobrando a esquina
homens e mulheres
idôneos, cansados
a lastimar o destino
de esmolar o direito
dos tempos madrugados.
V
Se o medo se espalha
virá o silêncio
o espectro das horas
e as cores sombrias.
Se o medo se espalha
amargo será sempre o poema
VI
O dia deu em chuvoso
na geografia do poema
um sonho foi desfeito
mil povos pratearam.
A terra está sentida de tanto sofrimento.
Mas...
VII
Haverá manhã
e o sol cobrirá
com os seus raios de luz
a rosa dos ventos
- Graça Graúna, em "Tessituras da Terra".
Caos climático
É temerário descartar
a memória das Águas
o grito da Terra
o chamado do Fogo
o clamor do Ar.
As folhas secas rangem sob os nossos pés.
Na ressonância o elo da nossa dor
em meio ao caos
a pavorosa imagem
de que somos capazes de expor
a nossa ganância
até não mais ouvir
nem mais chorar
nem meditar,
nem cantar...
só ganância, mais nada.
É temerário descartar
a memória das Águas
o grito da Terra
o chamado do Fogo
o clamor do Ar.
- Graça Graúna (outubro 2009).
“A literatura indígena é um lugar de confluência de vozes silenciadas e exiladas ao longo da história há mais de 500 anos. Enraizada nas origens, esse instrumento de luta e sobrevivência vem se preservando na autohistória de escritores (as) indígenas e descendentes e na recepção de um público diferenciado, isto é, uma minoria que semeia outras leituras possíveis no universo de poemas e prosas autóctones.”
- Graça Graúna
Graça Graúna - Maria das Graças Ferreira - nasceu no ano de 1948 em São José do Campestre - Rio Grande do Norte, Brasil. Escritora, poeta, crítica literária, graduada, mestre e doutora em Letras pela UFPE e pós-doutora em Literatura, Educação e Direitos Indígenas pela UMESP. Integra o grupo de Escritores Indígenas.