Márcia Wayna Kambeba

Fátima CChaves


SER INDÍGENA – SER OMÁGUA

Sou filha da selva, minha fala é Tupi.

Trago em meu peito,

as dores e as alegrias do povo Kambeba

e na alma, a força de reafirmar a

nossa identidade

que há tempo fico esquecida,

diluída na história

Mas hoje, revivo e resgato a chama

ancestral de nossa memória.

Sou Kambeba e existo sim:

No toque de todos os tambores,

na força de todos os arcos,

no sangue derramado que ainda colore

essa terra que é nossa.

Nossa dança guerreira tem começo,

mas não tem fim!

Foi a partir de uma gota d’água

que o sopro da vida

gerou o povo Omágua.

E na dança dos tempos

pajés e curacas

mantêm a palavra

dos espíritos da mata,

refúgio e morada

do povo cabeça-chata.

Que o nosso canto ecoe pelos ares

como um grito de clamor a Tupã,

em ritos sagrados,

em templos erguidos,

em todas as manhãs!

- Márcia Kambeba, no livro "Ay kakyri Tama - Eu moro na cidade".

UNIÃO DOS POVOS

Nós, povos indígenas,

Habitantes do solo sagrado,

Mesmo sem nossa aldeia,

Somos herdeiros de um passado.

Buscamos manter a cultura,

Vivendo com dignidade,

Exigimos nosso respeito,

Mesmo vivendo na cidade.

Somos parte de uma história,

Temos uma missão a cumprir,

De garantir aos tanu muariry,

Sua memória, seu porvir.

Vivendo na rytama do branco,

Minha uka se modificou,

Mas, a nossa luta pelo respeito,

Essa ainda não terminou.

Pela defesa do que é nosso,

Todos os povos devem se unir,

Relembrando a bravura,

Dos Kambeba, dos Macuxi,

Dos Tembé e dos Kocama,

Dos valentes Tupi Guarani

Assim, os povos da Amazônia,

Em uma grande celebração,

Dançam o orgulho de serem,

Representantes de uma nação,

Com seu canto vem dizer:

Formamos uma aldeia de irmãos.

- Márcia Kambeba, no livro "Ay kakyri Tama - Eu moro na cidade".

TANA KANATA AYETU

(Nossa Luz Radiante)

Tuyuca com sua magia,

Um canto se faz ecoar,

Com a orquestra dos passarinhos

A música paira no ar,

Mas, é preciso sensibilidade,

Para a melodia escutar.

Nas escala musical

O rouxinol vem nos mostrar,

Sua voz graciosa,

Que unida ao sabiá,

Formam uma dupla harmoniosa,

E com suavidade, nossa vida vem alegrar.

E diante de tanta beleza,

Deste solo verde e marrom,

Convivem os povos indígenas

Dividindo os bens em comum,

E com a força da natureza,

Deus mostra sua realeza,

Na presença de Tana Kanata Ayetu.

- Márcia Kambeba, no livro "Ay kakyri Tama - Eu moro na cidade".

OS FILHOS DAS ÁGUAS DO SOLIMÕES

A água é a mãe que sustenta,

A vida que nasce como flor

Alimenta a planta e o ser vivente,

É estrada por onde anda o pescador.

Na enchente, vem veloz e furiosa,

Derrubando ribanceiras, destruindo a plantação,

Afeta a vida do indígena e ribeirinho,

é um ciclo, que se renova a cada estação.

Na vazante o rio quase some.

A praia começa a surgir,

A água, agora bem calminha,

Não tem forças para a roça destruir.

Nas margens de um rio em formação,

Vive um povo que a água fez nascer,

Em um parto de dor e emoção,

A VÁRZEA, o Kambeba escolheu pra viver.

Mas em um contato fatal,

Com um povo mais socializado,

Fez dos herdeiros das águas,

Um povo desaldeado,

Tomando seu solo sagrado,

Sem dor, piedade ou compaixão,

Os Kambeba foram escravizados,

Apresentados a “civilização”.

Exploraram a sua força,

Forjando uma falsa proteção.

- Márcia Kambeba, no livro "Ay kakyri Tama - Eu moro na cidade".

NATUREZA EM CHAMA

Na terra sagrada

Que TUPÃ criou,

Do seio materno

Se ouve o clamor,

Da mãe natureza

Sofrendo de dor.

O fogo ardente,

Ao longe se vê,

Queimando a mata

Sem Q, nem porquê,

As folhas se torcem

Querendo viver.

No solo desnudo,

Os restos mortais,

Do verde da vida

E dos animais,

Queimados, sofridos

Em cinzas reais.

Dos gritos agudos

Se ouve o clamor,

Do fruto ardendo

Na chama, no calor,

Ceifado, perdido,

O fogo o calou.

Dos olhos tristes,

Uma lágrima cai,

O lamento de dor

Com o vento se vai,

Varrendo o chão,

Varrendo o chão!

- Márcia Kambeba, no livro "Ay kakyri Tama - Eu moro na cidade".

AY KAKUYRI TAMA

(Eu Moro na Cidade)

Eu moro na cidade

Esta cidade também é nossa aldeia,

Não apagamos nossa cultura ancestral,

Vem homem branco, vamos dançar nosso ritual.

Nasci na Uka sagrada,

Na mata por tempos vivi,

Na terra dos povos indígenas,

Sou Wayna, filha da mãe Aracy.

Minha casa era feita de palha,

Simples, na aldeia cresci

Na lembrança que trago agora,

De um lugar que eu nunca esqueci.

Meu canto era bem diferente,

Cantava na língua Tupi,

Hoje, meu canto guerreiro,

Se une aos Kambeba, aos Tembé, aos Guarani.

Hoje, no mundo em que vivo,

Minha selva, em pedra se tornou,

Não tenho a calma de outrora,

Minha rotina também já mudou.

Em convívio com a sociedade,

Minha cara de “índia” não se transformou,

Posso ser quem tu és,

Sem perder a essência que sou,

Mantenho meu ser indígena,

Na minha Identidade,

Falando da importância do meu povo,

Mesmo vivendo na cidade.

- Márcia Kambeba, no livro "Ay kakyri Tama - Eu moro na cidade".

A água tem poder de cura na cultura indígena. Muitos rituais acontecem perto do rio. Quando a criança nasce, as mulheres mais velhas trazem flechas e essas são medidas conforme o tamanho da perna da criança, cortam e em seguida vão até o rio e soltam na água corrente. Acredita-se que esse ritual é para que a criança tenha agilidade nas pernas para correr e também para que as pernas não fiquem tortas, assim contou-me minha mãe Assunta. Segundo ela passei por esse ritual na aldeia Tikuna Belém do Solimões nos primeiros dias de vida. Outro ritual usado na época que nasci era a defumação com ervas, breus, cascas de árvores para espantar espíritos ruins de perto da criança. Banhos serenados com várias folhas de plantas eram utilizados para afugentar doenças. Deixamos a aldeia para viver na cidade, mas minha mãe Assunta continuava com seus rituais de banhos e defumações.”

-Márcia Wayna Kambeba, em “O lugar do saber”.

O CORAÇÃO DE NHANDERÚ

E do amor se fez o universo,

Formou o chão, a natureza,

Cada flor com sua beleza,

Deu força e graça a correnteza.

Alguns guerreiros viraram peixes,

Outros voaram na imensidão,

Existem aqueles que estão na mata,

Fazem morada, defendem o irmão.

Se da árvore corre água é porque chora

Quando seu braço um corte tem,

Foi uma “índia” linda e formosa,

E por isso, dessa árvore um perfume vem.

Não se admire se um passarinho

Dançar e cantar para acasalar,

São espíritos iluminados,

Que vivem para não deixar o amor acabar.

Todo dia saúdam a Nhanderú

Com cantos e uma afinação fenomenal,

Uirapurú encantado da floresta

É responsável pela regência desse coral.

O que não sabem é que a mata é sagrada,

Por ser morada de Nhanderú e Nhandecy,

Os dois são o equilíbrio de um povo,

Sob os olhares atentos de Yacy.

-Márcia Wayna Kambeba, em “O lugar do saber”.

Márcia Wayna Kambeba - Márcia Vieira da Silva ( nasceu em 1979). Indígena, do povo Omágua/Kambeba, nasceu numa aldeia Tikuna em Belém do Solimões, município de Tabatinga AM. Mestra em Geografia, escritora, poeta e ativista brasileira.

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