Paulo Leminski
Fátima CChaves
um bom poema
leva anos
cinco jogando bola,
mais cinco estudando sânscrito,
seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,
sete levando porrada,
quatro andando sozinho,
três mudando de cidade,
dez trocando de assunto,
uma eternidade, eu e você,
caminhando junto
- Paulo Leminski, do livro "La vie en close".
"Poeta não é só quem faz poesia. É também quem tem sensibilidade para entender e curtir poesia. Mesmo que nunca tenha arriscado um verso. Quem não tem senso de humor, nunca vai entender a piada. Tem que ter tanta poesia no receptor quanto no emissor."
- Paulo Leminski, no ensaio "Poesia no receptor", do livro 'Ensaios e Anseios Crípticos'.
“Me recuso a viver num mundo sem sentido. Estes anseios/ensaios são incursões conceptuais em busca do sentido. Pois isso é próprio da natureza do sentido: ele não existe nas coisas, tem que ser buscado, numa busca que é sua própria fundação. Só buscar o sentido faz, realmente, sentido. Tirando isso, não tem sentido."
- Paulo Leminski, do livro "Anseios crípticos (Anseios teóricos): Peripécias de um investigador do sentido no torvelinho das formas e das idéias".
Amor, então, também, acaba?
amor, então,
também, acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima
- Paulo Leminski, do livro "Caprichos e relaxos".
Vontade de chegar...
vontade de chegar
precisa andar
como quem já chegou
chega de chegar
depressa
é muito devagar
- Paulo Leminski, do livro "Não fosse isso e era menos/não fosse tanto e era quase".
Razão de ser
escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
e as estrelas lá no céu
lembram folhas de papel,
quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?
- Paulo Leminski, do livro "Distraídos venceremos".
O que o amanhã não sabe...
o que o amanhã não sabe,
o ontem não soube.
Nada que não seja o hoje
jamais houve
- Paulo Leminski, do livro "O ex-estranho".
Meu verso...
meu verso, temo, vem de berço.
Não versejo porque eu quero,
versejo quando converso
e converso por conversar.
Pra que sirvo senão pra isto,
pra ser vinte e pra ser visto,
pra ser versa e pra ser vice,
pra ser a super-superfície
onde o verso vem ser mais?
- Paulo Leminski, do livro "Distraídos venceremos".
Ai daqueles...
ai daqueles
que se amaram sem nenhuma briga
aqueles que deixaram
que a mágoa nova
virasse a chaga antiga
ai daqueles que se amaram
sem saber que amar é pão feito em casa
e que a pedra só não voa
porque não quer
não porque não tem asa
- Paulo Leminski, do livro "Distraído venceremos".
fechamos o corpo
como quem fecha um livro
por já sabê-lo de cor.
Fechando o corpo
como quem fecha um livro
em língua desconhecida
e desconhecido o corpo
desconhecemos tudo
-Paulo Leminski, “Toda Poesia -Paulo Leminski”.
Contranarciso
em mim
eu vejo o outro
e outro
e outro
enfim dezenas
trens passando
vagões cheios de gente
centenas
o outro
que há em mim
é você
você
e você
assim como
eu estou em você
eu estou nele
em nós
e só quando
estamos em nós
estamos em paz
mesmo que estejamos a sós
o p que
no pequeno &
se esconde
eu sei por q
só não sei
onde nem e
sobre a mesa vazia
abro a toalha limpa
a mente tranquila
palavra mais linda
aqui se acaba
a noite mais braba
a que não queria
virar puro dia
somos um outro
um deus, enfim,
está conosco
-Paulo Leminsk, “Caprichos & Relaxos”.
"Existe um paradoxo nos produtos culturais, superiores frutos do trabalho humano: eles sobrevivem ao autor, são uma vingança da vida contra a morte. Por outro lado, só podem fazer isso porque são morte: suspensão do fluxo de tempo, pompas fúnebres, pirâmides do Egito."
- Paulo Leminski, do livro "Vida". [reunião das 4 biografias: Cruz e Souza, Bashô, Jesus e Trótski].
Eu
eu
quando olho nos olhos
sei quando uma pessoa
está por dentro
ou está por fora
quem está por fora
não segura
um olhar que demora
de dentro de meu centro
este poema me olha
-Paulo Leminski, “Caprichos & Relaxos”.
Aqui...
aqui
nesta pedra
alguém sentou
olhando o mar
o mar
não parou
pra ser olhado
foi mar
pra tudo quanto é lado
- Paulo Leminski, do livro "Caprichos e relaxos".
Paulo Leminski Filho ( 24 de agosto de 1944, Curitiba PR - 07 de junho de 1989, Curitiba PR). Professor, tradutor, escritor e poeta brasileiro.