Wlliam Blake
Fátima CChaves
Alegria infantil
“Não tenho nome,
Tenho apenas dois dias.”
Que nome então irei dar-te?
“Eu sou feliz,
Já isso o diz.”
Seja alegria a tua parte!
Bela alegria,
Doce alegria, de apenas dois dias!
Alegria irei chamar-te.
Sorris enquanto
Feliz eu canto:
Seja alegria a tua parte!
- William Blake - poesia e prosa selecionados (introdução, seleção, tradução e notas Paulo Vizioli).
O cordeiro
Cordeirinho, quem te fez?
Tu não sabes quem te fez?
Deu-te vida e esse relvado
Junto aos arroios do prado?
Deu-te a lã clara e macia
Do manto que delicia?
E a terna voz com que bales,
A alegrar todos os vales?
Cordeirinho, quem te fez?
Tu não sabes quem te fez?
Cordeirinho, vou dizer-te.
Cordeirinho, vou dizer-te.
Teu próprio nome o proclama,
Pois Cordeiro ele se chama.
É figura meiga e mansa,
Que também se fez criança.
Tu, cordeirinho, e eu, menino,
Temos seu nome divino.
Cordeiro, Deus te abençoe.
Cordeiro, Deus te abençoe.
- William Blake - poesia e prosa selecionados (introdução, seleção, tradução e notas Paulo Vizioli).
De AUGÚRIOS DA INOCÊNCIA
Ver todo um Mundo num grão
E um Céu em ramo que enflora
É ter o Infinito na palma da mão
E a Eternidade numa hora.
Um tordo rubro engaiolado
Deixa o Céu inteiro irado…
Um cão com dono e esfaimado
Prediz a ruína do estado…
Ao grito da lebre caçada
Da mente, uma fibra é arrancada
Ferida na asa a cotovia,
Um querubim, seu canto silencia…
A cada uivo de lobo e de leão
Uma alma humana encontra a redenção.
O gamo selvagem acalma,
A errar por aí, a nossa alma.
Se gera discórdia o judiado cordeiro,
Perdoa a faca do açougueiro…
A verdade com mau intuito
Supera a mentira de muito.
É justo que assim deva ser:
É do homem a dor e o prazer;
Depois que isso aprendemos a fundo,
Seguros podemos sair pelo mundo…
O inquiridor, que astuto se posta,
Jamais saberá a resposta…
O grito do grilo ou uma charada
À dúvida dão resposta adequada…
Quem duvida daquilo que vê
Jamais crerá, sem como e porquê.
Se duvidassem, sol e lua
Apagariam a luz sua.
Soltar tua ira pode ser um bem,
Mas bem nenhum quando a ira te retém…
Toda manhã e todo entardecer
Alguém para a miséria está a nascer.
Em toda tarde e toda manhã linda
Uns nascem para o doce gozo ainda.
Uns nascem para o doce gozo ainda.
Outros nascem numa noite infinda.
Passamos na mentira a acreditar
Quando não vemos através do olhar,
Que uma noite nos traz e outra deduz
Quando a alma dorme mergulhada em luz.
Deus aparece e Deus é luz amada
Para almas que na noite têm morada,
Mas com a forma humana se anuncia
Para as que vivem nas regiões do dia.
- William Blake - poesia e prosa selecionados (introdução, seleção, tradução e notas Paulo Vizioli).
Uma árvore de veneno
Zanguei-me com meu amigo:
A ira cessou, eu a digo.
Com o inimigo zanguei-me:
A ira cresceu, eu calei-me.
E a reguei de alma sombria
Com meu pranto noite e dia;
E a expus ao sol de gentis
Risos e falsos ardis.
E cresceu noite e manhã,
Dando luzente maçã;
Ao ver o brilho que tinha,
E sabendo que era minha,
Veio o inimigo ao pomar
Após a noite tombar.
Bem cedo o vi, com agrado,
Ao pé da árvore estirado.
- William Blake - poesia e prosa selecionados (introdução, seleção, tradução e notas Paulo Vizioli).
O jardim do amor
Eu fui ao Jardim do Amor,
E vi algo jamais avistado:
No centro havia uma Capela,
Onde eu brincava no relvado.
Tinha os portões fechados, e "Proibido"
Era a legenda sobre a porta escrita.
Voltei-me então para o Jardim do Amor,
Que outrora dera tanta flor bonita,
E vi que estava cheio de sepulcros,
E muitas lápides em vez de flores;
E em negras vestes hediondas os Padres faziam rondas,
E atavam com nó espinhoso meus desejos e meu gozo.
- William Blake - poesia e prosa selecionados (introdução, seleção, tradução e notas Paulo Vizioli).
Ah! girassol
Ah! Girassol, do tempo cansado,
Tu que medes do Sol a passagem,
À procura do clima dourado
Onde finda o viandante a viagem!
Aonde a Moça em mortalha de neve,
Aonde o Jovem que ardeu por amar
Sonham, vindos da tumba, ir em breve, –
Lá o meu Girassol quer chegar.
- William Blake - poesia e prosa selecionados (introdução, seleção, tradução e notas Paulo Vizioli).
A imagem divina
Para Mercê, Piedade, Paz e Amor
Todos apelam na aflição;
E a essas grandes virtudes de deleite
Dão como paga a gratidão.
Porque Mercê, Piedade, Paz e Amor
São Deus, o nosso Pai amado;
E a Mercê, a Piedade, a Paz, o Amor
São o Homem, seu filho e cuidado.
Pois a Mercê tem coração humano,
Tem a Piedade humano rosto,
O Amor, a humana forma divinal,
E a Paz, enfim, a humana veste.
Todo homem, pois, de todos os quadrantes,
Que na aflição apelos faz,
Apela à humana forma divinal,
Amor, Mercê, Piedade, Paz.
Todos devem amar a forma humana,
Sejam pagãos, turcos, judeus;
Onde moram Mercê, Amor, Piedade,
Ali também mora Deus.
- William Blake - poesia e prosa selecionados (introdução, seleção, tradução e notas Paulo Vizioli).
A floração
Alegre, alegre Pardal!
Sob a folhigem tão verde,
Uma floração perfeita
Te vê, às flechas igual,
Buscar teu berço natal
Junto a meu peito.
Belo, belo Pintarroxo!
Sob a folhagem tão verde,
Uma floração perfeita
Ouve o teu soluço baixo,
Belo, belo Pintarroxo,
Junto a meu peito.
- William Blake - poesia e prosa selecionados (introdução, seleção, tradução e notas Paulo Vizioli).
Canção
De campo em campo errava eu docemente,
Provando todo o orgulho do verão,
Até que, a deslizar na luz do sol,
Do Príncipe do Amor tive a visão!
Mostrou-me lírios para meus cabelos,
Rosas coradas para minha testa;
Guiou-me pelos seus jardins formosos
Onde cultiva uma dourada festa.
Molha-me as asas o rocio de maio,
Febo me insufla o estro vocal que evola;
Com sua rede de seda ele me apanha,
E no ouro prende-me de sua gaiola.
Agrada-lhe sentar-se e ouvir meu canto,
Depois brinca comigo, e zomba, e ri;
Depois, abrindo as asas minhas de ouro,
Mofa da liberdade que perdi.
- William Blake - poesia e prosa selecionados (introdução, seleção, tradução e notas Paulo Vizioli).
William Blake ( 28 de novembro de 1757, Londres, Inglaterra - 12 de agosto de 1827, Londres, Inglaterra). Pintor e poeta.