Carolina Maria de Jesus

Fátima CChaves


"Escrevo a miséria e a vida infausta dos favelados. Eu era revoltada, não acreditava em ninguém. Odiava os políticos e os patrões, porque o meu sonho era escrever e o pobre não pode ter ideal nobre. Eu sabia que ia angariar inimigos, porque ninguém está habituado a esse tipo de literatura. Seja o que Deus quiser. Eu escrevi a realidade."

- Carolina Maria de Jesus

"... Quando estou com pouco dinheiro procuro não pensar nos filhos que vão pedir pão, pão, café. Desvio meu pensamento para o céu. Penso: será que lá em cima tem habitantes? Será que eles são melhores que nós? Será que o predomínio de lá suplanta o nosso? Será que as nações de lá é variada igual aqui na terra? Ou é uma nação única? Será que lá existe favela? E se lá existe favela será que quando eu morrer eu vou morar na favela?"

- Carolina Maria de Jesus, em "Quarto de despejo".

"[...] Deixei o leito para escrever vou pensando que resido num castelo cor de ouro que reluz na luz do sol. Que as janelas são de prata e as luzes de brilhantes. Que a minha vista circula no jardim e eu contemplo as flores de todas as qualidades. [...] É preciso criar este ambiente de fantasia, para esquecer que estou na favela. / Fiz o café e fui carregar água. Olhei o céu, a estrela Dalva já estava no céu. Como é horrível pisar na lama./ As horas que sou feliz é quando estou residindo nos castelos imaginários."

- Carolina Maria de Jesus, em "Quarto de despejo".

"- Eles falava que eu sendo poetisa era para estar entre os fidalgos. Que os poetas são pessoas finas que andam com as unhas esmaltadas e luvas. Sorri. Pórque eles não conhecem os poetas. - O poeta é um infeliz conhece so agruras do roteiro neste hemisfério."

- Carolina Maria de Jesus

“Quem nao tem amigo mas tem um livro tem uma estrada.”

- Carolina Maria de Jesus - em “Carolina sem cortes”.

Não digam que fui rebotalho,

que vivi à margem da vida.

Digam que eu procurava trabalho,

mas fui sempre preterida.

Digam ao povo brasileiro

que meu sonho era ser escritora,

mas eu não tinha dinheiro

para pagar uma editora.

- Carolina Maria de Jesus, em "Quarto de despejo".

"O livro... me fascina. Eu fui criada no mundo. Sem orientação materna. Mas os livros guiou os meus pensamentos. Evitando os abismos que encontramos na vida. Bendita as horas que passei lendo. Cheguei a conclusão que é o pobre quem deve ler.

Porque o livro, é a bussola que ha de orientar o homem no porvir (...)"

- Carolina Maria de Jesus, em "Meu estranho diário".

Dá-me as rosas

No campo em que eu repousar

Solitária e tenebrosa

Eu vos peço para adornar

O meu jazigo com as rosas

As flores são formosas

Aos olhos de um poeta

Dentre todas são as rosas

A minha flor predileta

Se a afeiçoares aos versos inocentes

Que deixo escritos aqui

E quiseres ofertar-me um presente

Dá-me as rosas que pedi.

Agradeço-lhe com fervor

Desde já o meu obrigado

Se me levares esta flor

No dia dos finados.

- Carolina Maria de Jesus, em "Antologia pessoal".

[Muitas fugiam ao me ver]

Muitas fugiam ao me ver

Pensando que eu não percebia

Outras pediam pra ler

Os versos que eu escrevia

Era papel que eu catava

Para custear o meu viver

E no lixo eu encontrava livros para ler

Quantas coisas eu quiz fazer

Fui tolhida pelo preconceito

Se eu extinguir quero renascer

Num país que predomina o preto

Adeus! Adeus, eu vou morrer!

E deixo esses versos ao meu país

Se é que temos o direito de renascer

Quero um lugar, onde o preto é feliz.

- Carolina Maria de Jesus, em "Antologia pessoal".

Quarto de Despejo

Quando infiltrei na literatura

Sonhava so com a ventura

Minhalma estava chêia de hianto

Eu nao previa o pranto. Ao publicar o Quarto de Despejo

Concretisava assim o meu desejo.

Que vida. Que alegria.

E agora... Casa de alvenaria.

Outro livro que vae circular

As tristêsas vão duplicar.

Os que pedem para eu auxiliar

A concretisar os teus desejos

Penso: eu devia publicar...

– o ‘Quarto de Despejo’.

No início vêio adimiração

O meu nome circulou a Nação.

Surgiu uma escritora favelada.

Chama: Carolina Maria de Jesus.

E as obras que ela produz

Deixou a humanidade habismada

No início eu fiquei confusa.

Parece que estava oclusa

Num estôjo de marfim.

Eu era solicitada

Era bajulada.

Como um querubim.

Depôis começaram a me invejar.

Dizia: você, deve dar

Os teus bens, para um assilo

Os que assim me falava

Não pensava.

Nos meus filhos.

As damas da alta sociedade.

Dizia: praticae a caridade.

Doando aos pobres agasalhos.

Mas o dinheiro da alta sociedade

Não é destinado a caridade

É para os prados, e os baralhos

E assim, eu fui desiludindo

O meu ideal regridindo

Igual um côrpo envelhecendo.

Fui enrrugando, enrrugando...

Petalas de rosa, murchando, murchando

E... estou morrendo!

Na campa silente e fria

Hei de repousar um dia...

Não levo nenhuma ilusão

Porque a escritora favelada

Foi rosa despetalada.

Quantos espinhos em meu coração.

Dizem que sou ambiciosa

Que não sou caridosa.

Incluiram-me entre os usurários

Porque não critica os industriaes

Que tratam como animaes.

– Os operários...

- Carolina Maria de Jesus, em "Meu estranho diário".

"O homem que cultiva o ódio racial é um imbecil"

- Carolina Maria de Jesus, em "Provérbios".

Carolina Maria de Jesus (14 de março de 1914, Sacramento MG - 13 de fevereiro de 1977, São Paulo SP). Escritora e poetisa brasileira. A autora morou boa parte da sua vida na favela do Canindé em São Paulo, sustentando a si mesma e aos três filhos como catadora de papel e ferro velho. Mesmo com pouca escolaridade, registrou o cotidiano da favela, do preconceito, da pobreza, bem como a humilhação e injustiça social.

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