Mário Quintana

Fátima CChaves


O milagre

Dias maravilhosos em que os jornais vêm cheios de poesia... e do lábio do amigo brotam palavras de eterno encanto... Dias mágicos... em que os burgueses espiam, através das vidraças dos escritórios, a graça gratuita das nuvens...

- Mario Quintana, em “Sapato Florido”, 1948.

O silêncio

Convivência entre o poeta e o leitor, só no silêncio da leitura a sós. A sós, os dois. Isto é, livro e leitor. Este não quer saber de terceiros, não quer que interpretem, que cantem, que dancem um poema. O verdadeiro amador de poemas ama em silêncio...

- Mario Quintana, em "A vaca e o hipogrifo", 1977.

A Arte de Ler

O leitor que mais admiro é aquele que não chegou até a presente linha. Neste momento já interrompeu a leitura e está continuando a viagem por conta própria.

- Mario Quintana, em “Caderno H”, (1945-1973).

O silêncio

Há um grande silêncio que está sempre à escuta...

E a gente se põe a dizer inquietamente qualquer coisa,

qualquer coisa, seja o que for,

desde a corriqueira dúvida sobre se chove ou não chove hoje

até a tua dúvida metafísica, Hamleto!

E, por todo o sempre, enquanto a gente fala, fala, fala

o silêncio escuta...

e cala.

- Mario Quintana, in: Esconderijos do Tempo, 1980.

“Em que estrela, amor, o teu riso estará cantando?”

- Mario Quintana, do poema “Eu fiz um poema”.

Bilhete

Se tu me amas, ama-me baixinho

Não o grites de cima dos telhados

Deixa em paz os passarinhos

Deixa em paz a mim!

Se me queres,

enfim,

tem de ser bem devagarinho, Amada,

que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...

- Mario Quintana, em “Esconderijos do Tempo”, 1980.

Das utopias

Se as coisas são inatingíveis... ora!

Não é motivo para não querê-las...

Que tristes os caminhos se não fora

A mágica presença das estrelas!

- Mario Quintana, em “Espelho Mágico", 1945-1951.

O tamanho da gente

O homem acha o Cosmos infinitamente grande

E o micróbio infinitamente pequeno.

E ele, naturalmente,

Julga-se do tamanho natural...

Mas, para Deus, é diferente:

Cada ser, para Ele, é um universo próprio.

E, a Seus olhos, o bacilo de Koch,

A estrela Sírius e o Prefeito de Três Vassouras

São todos infinitamente do mesmo tamanho...

- Mario Quintana, em “Velório sem defunto", 1990.

Da observação

Não te irrites, por mais que te fizerem...

Estuda, a frio, o coração alheio.

Farás, assim, do mal que eles te querem,

Teu mais amável e sutil recreio...

- Mario Quintana, em “Espelho Mágico”, 1945-1951.

Fazer um poema...

Fazer um poema é como

construir uma casa

- a própria casa do poeta -

onde ele poderá receber

seus velhos amigos e os amigos novos

que, no decorrer dos anos,

forem aparecendo para

um encontro com a Poesia.

- Mario Quintana

Inquietude

Esse olhar inquisitivo que me dirige às vezes nosso próprio cão...

Que quer ele saber que eu não sei responder?

Sou desse jeito... Vivo cercado de interrogações.

Dinheiro que eu tenha, como vou gastá-lo?

E como fazer para que não me esqueças?

(ou eu não te esqueça...)

Sinto-me assim, sem motivo algum,

Como alguém que estivesse comendo uma empada de camarão sem

camarões

Num velório sem defunto...

- Mario Quintana, em “Velório sem defunto", 1990.

Da Imparcialidade

O homem - eternamente escravo de suas paixões pessoais -

É absolutamente incapaz de imparcialidade.

Só Deus é imparcial.

Só Ele é que pode, por exemplo,

Abençoar, ao mesmo tempo,

As bandeiras de dois exércitos inimigos que vão entrar em luta...

- Mario Quintana, em "Velório sem defunto", 1990.

Quando eu me for

Quando eu me for, os caminhos continuarão andando...

E os meus sapatos também!

Porque os quartos, as casas que habitamos,

Todas, todas as coisas que foram nossas na vida

Possuem igualmente os seus fantasmas próprios,

Para alucinarem as nossas noites de insônia!

- Mario Quintana, em “ Velório sem defunto", 1990.

V

Eu nada entendo da questão social.

Eu faço parte dela, simplesmente...

E sei apenas do meu próprio mal,

Que não é bem o mal de toda a gente,

Nem é deste Planeta... Por sinal

Que o mundo se lhe mostra indiferente!

E o meu Anjo da Guarda, ele somente,

É quem lê os meus versos afinal...

E enquanto o mundo em torno se esbarronda,

Vivo regendo estranhas contradanças

No meu vago País de Trebizonda...

Entre os Loucos, os Mortos e as Crianças,

É lá que eu canto, numa eterna ronda,

Nossos comuns desejos e esperanças!...

- Mario Quintana, em “A Rua dos Cataventos", 1940.

XXIII

Cidadezinha cheia de graça...

Tão pequenina que até causa dó!

Com seus burricos a pastar na praça...

Sua igrejinha de uma torre só...

Nuvens que venham, nuvens e asas,

Não param nunca nem um segundo...

E fica a torre, sobre as velhas casas,

Fica cismando como é vasto o mundo!...

Eu que de longe venho perdido,

Sem pouso fixo (a triste sina!)

Ah, quem me dera ter lá nascido!

Lá toda a vida poder morar!

Cidadezinha... Tão pequenina

Que toda cabe só num olhar...

- Mario Quintana, em “A Rua dos Cataventos", 1940.

Epígrafe

As únicas coisas eternas são as nuvens...

- Mario Quintana, em “Sapato Florido”, 1948.

Triste época

Em nossa triste época de igualitarismo e vulgaridade, as únicas criaturas que mereciam entrar numa história de fadas são os mestres-cucas, com os seus invejáveis gorros brancos, e os porteiros dos grandes hotéis, com os seus alamares, os seus ademanes, a sua indiscutida majestade.

- Mario Quintana, em “Sapato Florido”, 1948.

Do inédito

E quando, morto de mesmice, te vier a nostalgia de climas e costumes exóticos, de jornais impressos em misteriosos caracteres, de curiosas beberagens, de roupas de estranho corte e colorido, lembra-te que para alguém nós somos antípodas: um remoto, inacreditável povo de outro mundo, quase do outro lado da vida – uma gente de se ficar olhando, olhando, pasmado... Nós, os antípodas, somos assim.

- Mario Quintana, em “Sapato Florido”, 1948.

Viração

Voa um par de andorinhas, fazendo verão. E vem uma vontade de rasgar velhas cartas, velhos poemas, velhas contas recebidas. Vontade de mudar de camisa, por fora e por dentro... Vontade... para que esse pudor de certas palavras?... vontade de amar, simplesmente.

- Mario Quintana, em “Sapato Florido”, 1948.

Estufa

Que imaginação depravada têm as orquídeas! A sua contemplação escandaliza e fascina. Vivem procurando e criando inéditos coloridos, e estranhas formas, combinações incríveis, como quem procura uma volúpia nova, um sexo novo...

- Mario Quintana, em “Sapato Florido”, 1948.

Epílogo

Não, o melhor é não falares, não explicares coisa alguma. Tudo agora está suspenso. Nada aguenta mais nada. E sabe Deus o que é que desencadeia as catástrofes, o que é que derruba um castelo de cartas! Não se sabe... Umas vezes passa uma avalanche e não morre uma mosca... Outras vezes senta uma mosca e desaba uma cidade.

- Mario Quintana, em “Sapato Florido”, 1948.

Envelhecer

Antes, todos os caminhos iam.

Agora todos os caminhos vêm.

A casa é acolhedora, os livros poucos.

E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas.

- Mario Quintana, em “Sapato Florido”, 1948.

Exegese

- Mas que quer dizer esse poema? – perguntou-me alarmada a boa senhora.

- E que quer dizer uma nuvem? – retruquei triunfante.

- Uma nuvem? – diz ela. – Uma nuvem umas vezes quer dizer chuva, outras vezes bom tempo...

- Mario Quintana, em “Sapato Florido”, 1948.

Mentira?

A mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer.

- Mario Quintana, em “Sapato Florido”, 1948.

Passeio

Oh! não há nada como um pé depois do outro...

- Mario Quintana, em “Sapato Florido”, 1948.

Da cor

Há uma cor que não vem nos dicionários. É essa indefinível cor que têm todos os retratos, os figurinos da última estação, a voz das velhas damas, os primeiros sapatos, certas tabuletas, certas ruazinhas laterais: - a cor do tempo...

- Mario Quintana, em “Sapato Florido”, 1948.

Linha reta

Linha sem imaginação.

- Mario Quintana, em “Da Preguiça como Método de Trabalho", 1987.

O tempo

O tempo é um ponto de vista. Velho é quem é um ano mais velho que a gente.

- Mario Quintana, em “Da Preguiça como Método de Trabalho”, 1987.

Diálogo bobo

- Abandonou-te?

- Pior ainda: esqueceu-me...

- Mario Quintana, em “Da Preguiça como Método de Trabalho”, 1987.

Tão simples

A verdadeira coragem consiste, apenas, em não nos importarmos com a opinião dos outros... Mas como custa!

- Mario Quintana, em “Da Preguiça como Método de Trabalho”, 1987.

Mário Quintana - Mário de Miranda Quintana (30 de julho de 1906, Alegrete, Rio Grande do Sul - 05 de maio de 1994, Porto Alegre, Rio Grande do Sul). Poeta, tradutor e jornalista brasileiro. Mário Quintana não se casou nem teve filhos. Solitário, viveu grande parte da vida em hotéis. De 1968 a 1980, residiu no Hotel Majestic, no centro histórico de Porto Alegre. "Eu moro em mim mesmo. Não faz mal que o quarto seja pequeno. É bom, assim tenho menos lugares para perder as minhas coisas".

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